Gerês mágico
06/07/2020Uma visita ao único Parque Nacional do país pode servir para encher os pulmões de ar fresco e os olhos de verde. E também pode revelar-nos a dimensão onírica da Natureza, oferecendo-nos lugares que emanam encanto e mistério. Uma curta viagem ao Parque Nacional da Peneda-Gerês, em Portugal.
Descobrir o Gerês
O Parque Nacional da Peneda-Gerês compreende mais de setenta mil hectares de território protegido, que abrange as serras Amarela, do Gerês (a mais conhecida) e da Peneda. A paisagem é tão variada que depressa se compreende que o ponto de convergência é, muito simplesmente, a necessidade de protecção desta área.
O lírio do Gerês e a víbora de Soane são as raridades que dificilmente encontraremos, mas que comprovam a especificidade – e fragilidade – da área. Com a forma de uma Lua minguante, o Parque é mais verde e frondoso no centro e mais seco e dramático nos extremos.
Lagoas de albufeira, como a da Caniçada, são espelhos de água abundantes e tomam um azul penetrante em dias de sol, debruadas a linhas de água quase brancas, reflectindo a imagem dos montes verdes, polvilhados pelos amarelos e rosas intensos da urze e do tojo.
No Inverno, os planaltos são a nossa pequena Patagónia, despidos de cores intensas, uma cortina de picos cinzentos a fechar o horizonte. Os regatos mais finos congelam, a geada e a neve pintam a paisagem de branco e cinzento; ou então, em dias mais húmidos, um nevoeiro opaco pousa nos vales, transformando os cumes graníticos das montanhas em ilhas de Avalon, de onde chegam, em eco, os sons vagos das aldeias: ladrar de cães, assobios de pastores, sinos de igreja.
Garranos passam em pequenos grupos por entre arbustos e penedos, somem-se nos bosques de pinheiros, carvalhos e bétulas como unicórnios lendários. Vivem em liberdade, tal como as pequenas vacas montanheiras de olhar inteligente, perna curta e cornos longos, que vão pastando por onde lhes convém.
E há ainda o cão de Castro Laboreiro, fiel e selvagem, de cores miméticas e dentes aguçados contra os lobos mais atrevidos. Estes têm sido os companheiros do homem, que já povoa a zona desde tempos imemoriais: a anta do Mezio, a estátua-menir de Ermida, a jeira romana e os seus marcos miliários, o castelo de Castro Laboreiro, que data do século XI e o de Lindoso, do século XIII, são algumas das marcas deste longo caminho.
A abundância de água é em muito culpada disso: ela jorra de fontes e em cascatas, como a bela cascata do Arado, desce socalcos, faz rodopiar pedregulhos que cavam buracos redondos nos penedos maiores e acabam em posições estranhas nas margens de rios e no meio de lagos.
Verde e cinzento são as cores do Gerês. E há três sítios mágicos, entre muitos outros, que vivem dessas cores: o Castelo de Castro Laboreiro, a Mata de Albergaria, perto das Caldas do Gerês, e o Mosteiro de Sta. Maria das Júnias, na aldeia de Pitões das Júnias. Três lugares encantadores e encantados, onde podemos deixar sonhos e imaginação completar a beleza da paisagem.
Castro Laboreiro
O Castelo de Castro Laboreiro é um magnífico exemplo do aproveitamento humano de uma enorme fraga, numa boa posição defensiva e com um panorama de uma força extraordinária: de um lado levantam-se, em sequência, três montes, e os telhados das aldeias aparecem transformados num pontilhado minúsculo; do outro, uma verdadeira muralha natural, feita de esteios de granito esculpidos numa amálgama inexpugnável, fecha o horizonte.
O que foi feito pelo homem e pela natureza confunde-se na perfeição: as ameias são penedos e a entrada é deles feita e neles talhada, com encaixes cimentados pelo tempo.
A rudeza do enquadramento reaviva imagens de batalhas, a dureza do granito cinzento e seco relega o verde dos lameiros e campos de milho para os campos à volta da aldeia, bem lá no fundo.
Mata de Albergaria
Na Mata de Albergaria, a paisagem é menos agreste e a rudeza das fragas está vestida por um bosque de beleza excepcional. As árvores, uma amálgama de espécies mediterrânicas e outras mais próprias do Norte da Europa, levantam-se de um chão musgoso, de um verde húmido, ou de um colchão de fetos gigantescos. É uma floresta encantada, por onde os raios de sol entram filtrados por folhas de um verde transparente, ou nem sequer entram.
Morada de duendes, sem dúvida, lugar de fadas com banda sonora de água e pássaros. Em certos lugares, o Rio Homem cavou piscinas arredondadas, poços profundos onde também a água é verde ou azul, conforme a luz. Libélulas azuis e sapos castanhos são visitantes de Verão, neste lugar onde os humanos só penetram a pé.
Mosteiro de Santa Maria das Júnias
O Mosteiro de Santa Maria das Júnias só se revela a quem o procura. Entretido com a estrada, com a aldeia, o passante terá de dirigir-se a um lugar com o promissor nome de Anjo, de onde se desfruta um belo panorama.
À direita passa uma levada e à esquerda descemos para uma primeira visão, de cima para baixo, sobre o telhado e a mimosa entrada da igreja românica, único edifício completo deste mosteiro da Ordem de Cister abandonado no século XIX.
O conjunto possui a dose exacta de ruína e edifício intacto. Animais de pedra (carneiros?) decoram uma parede lateral, sobras de um claustro levantam-se do lado oposto.
Ermitério místico escondido numa prega dos montes, lugar propício ao exercício de qualquer espiritualidade, este é, também, um lugar de rara beleza, onde a pedra se converteu em fé.